Pai desvalorizado
Falo de coração. O sentimento puro não é mais o mesmo que o de antigamente. Tudo muda neste mundo enlouquecido e extremamente consumista. Até o amor perdeu o sentido essencial. Ama-se da boca pra fora. Ama-se por dinheiro. Carinho é disfarce que antecede um desejo quase sempre caro, muito caro.
Meu pai nunca foi um homem abastado, tampouco mediano. Estacionou numa pobreza limítrofe entre o ego dos que têm e à miséria disfarçada dos que nada podem dispor ou fazer. Andava alinhado e de branco. Caderneta no bolso. Costumava anotar em letras trêmulas de quem consome desenfreadamente o álcool, nomes, telefones e endereços de pessoas que transitavam a ermo, próximas, desconhecidas. Ainda não entendi o porquê. Meu querido pai jamais possuiu um telefone, sequer uma linha fixa. Nunca nos deu um lápis, mas, sobretudo, herdamos uma lição para o resto dos nossos dias. Ainda é no lar que se aprendem as melhores lições de vida. Nosso amor não diminuiu por ele não dispor daquilo que não podia dar. Nossa santa mãe nos auxiliou com sua bondade, inteligência e carinho. Andava muitos quilômetros em busca de uma escola, e era geralmente nessas escolas onde matávamos a fome, salvando a hora do lanche.
Bem, mas o tema é outro, e se infiltra em pensamentos atordoados para poder crescer sem disfarce.
Os filhos, crescidos, arquitetam o corpo. Pintam-no com cores esquisitas; arranjam cabelos, modificam os que têm, colorem o natural; trajam-se daquilo que vêem na tv, comem da mesma guloseima deste ou daquele artista, e já não se fala em família, tampouco sobre amor, não aquele fazer amor, que é natural. Muitos simplesmente desconhecem a fonte ou a origem do suor de seus pais. Sanguessuga é pouco numa relação contratual entre parasitas e um mero provedor unilateral, escravizado até o fim.
Hoje mesmo um de meus filhos pediu um violão, o outro uma bicicleta e o terceiro, um computador. Todos ganham pensões que se não suficientes, podem adquirir, parcelada e honestamente, os bens de que tanto amam, a exemplo do violão, do computador, da bike etc.
Sinto-me um pai à beira de um abismo, economicamente afundado, pois do mínimo que investi não consegui o resultado a que almejei. Estudo porque não vejo outra solução e pela incerteza do mesmo comprometimento dos meus. Se paro, vem-me um rolo compressor a esmagar-me os ossos. Meus livros são caros e por isso vivo pedindo emprestado dos colegas para conseguir alguma cópia, e pechincho cada centavo, cada página de leitura cada vez mais difícil. Como o crime não compensa e ninguém nasce com uma vocação profissional definida, prefiro ser honesto e tentar a sorte por essa via, para contemplar a trajetória e conquistas dos meus filhos.
Bem, se eu fosse um banco, uma agência dessas que diariamente sinaliza falência, pelos assaltos, pelos lucros roubados, eu trataria de buscar outro ramo de vida. Mas a idade não permite malabarismos, e como a água que flui jamais será a mesma, assim precisamos seguir e viver cada momento. E se Deus nos dá o frio conforme o cobertor confesso que o meu ainda permite muita ventilação. Felizes os filhos que amam seus pais e compreendem que o dinheiro não é tudo, e por isso nem todos detêm condições favoráveis à sua aquisição. O valor de um pai não está no dinheiro, mas no coração.